quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A dualidade da vida (FB)

Da minha "janela panorâmica" do Bar do Pirata na Ponta Verde, observo um grupo de flanelinhas que sob um sol saariano do meio dia resolveu trocar a lavagem ou a guarda dos bólidos da burguesia por uma hidratação do peritônio e um polimento no fígado.
Chegaram com apenas um litro de Pirata, duas cocas quentes, um único copo de plástico e um maço de um "estoura peito". Em meia hora eles encheram a cara e fizeram a festa. Os óculos "Ray-Ban", bonés Nike, tatuagens, bermudas e cuecas Calvin Klein era tudo pirata. Tinha até um radinho de pilha para animar. Só faltaram as "meninas" pra rave matinal ficar completa.

De vez enquanto a bexiga alarmava nível alto e o feliz profissional da rua xispava pra uma drenagem no lindo mar da Ponta Verde, afinal não existem banheiros públicos nesta orla tão bonita. Enquanto isto estou eu no bar, abrigado e servido por um garçom solícito, tomando uma original geladíssima, observando aquele momento de descontração. Eles, felizes, dançando, talvez mal alimentados e certamente lisos. Eu com o bucho cheio de caldinho, codorna, camarão fritinho e a cabeça preocupada com as contas do mês.

O mar, o vento, o sol, eram os mesmos pra nós todos. Minha música era uma, a deles outra, meu cardápio de primeira, o deles o que era possível. Me entusiasmei e mandei servir uns coco verdes para amenizar os efeitos do Motilla.

Um deles, completamente bêbado e que parecia devastado por algum motivo, era, carinhosamente, consolado pelos demais. Não sei se tinha perdido a mãe, recebido a notícia que a patroa "costurava pra fora" ou que tinha conseguido um emprego de carteira assinada.

É a dualidade da vida. Um mesmo fenômeno impacta diferentemente dois atores. Recentemente o furacão Matthew destruiu o país mais pobre das Américas e causou poucos danos para ao seu vizinho mais rico do mundo. Pode parecer inconcebível mas é a crueza da realidade humana que em algum momento tem que empatar. "Se Deus desse veneno a cobra, tiraria o veneno", diz um canção do Antônio Carlos & Jocafi.

Enquanto eu tirei da cena o mote pra este texto, umas granfinas que estavam numa mesa próxima, incomodadas com a algazarra dos flanelinhas, pediram a conta e foram exalar suas fragrâncias francesas noutro boteco, o que foi uma pena pra mim que adoro perfume e pro dono do bar que perdeu os clientes.

06/01/17