quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Se meu violão falasse (FB)

Hoje eu vou contar um "causo" meio trágico-cômico vivido por um amigo nosso, há alguns anos. Obviamente omitirei o nome do "artista" e passarei a identificá-lo apenas pelo codinome de "Tiradentes".

Nos tempos de sua intensa vida boemia acontecida na década de 60, ele comprou um violão fabricado por um prestigioso luthier mineiro que fornecia peças de alto padrão para músicos como João Bosco, Milton Nascimento e outros famosos do "Clube da Esquina", com quem "Tiradentes" tinha uma grande intimidade.

Este violão era zelado e protegido como um filho e seu companheiro inseparável nas incontáveis farras e serenatas pelos bares, jardins e oitões da sua região. Segundo ele conta, era um instrumento de uma sonoridade sem igual, uma joia, desejado por todos aqueles que conhecem a arte sublime do dedilhado.

Um belo dia já morando numa capital nordestina, resolveu sair de casa cedo pra tomar umas "Originais" num boteco próximo ao seu condomínio e deixou seu laptop aberto, sem proteção de tela. Sua mulher aproveitou o vacilo e deu uma navegada no PC e se deparou com uma troca de mensagens comprometedoras do seu maridão, executivo de uma grande mineradora, um cabra "ferrolho" todo (só "entra" no mesmo buraco), com sua secretária de longa data. Eram só assuntos de trabalho, nada mais, mas, sua patroa assim não entendeu e a "cobra fumou"!!!!!

Ela, desconfiada que só mulher de pastor, "fechou o tempo" e a primeira coisa que ela pegou pra descarregar sua injustiçada ira foi o precioso violão e fez dele um taco de beisebol. Bateu firme e com vontade em tudo o que foi quina e parapeitos de janela. Depois juntou os "trapos" do "quase futuro ex" e jogou do primeiro andar em baixo, junto com o que sobrou do pinho tão querido.

Depois de algumas horas biritando lá vem "Tiradentes", feliz e faceiro, sonhando com um demorado banho, um tutú à mineira caprichado e uma rede fresquinha pra cochilar o resto da tarde. Na portaria já pressentiu que tinha um cocorel no ar lá pras bandas da sua morada. O porteiro disse que tinha ordem da companheira do "sem violão" para não deixá-lo entrar. Se tentasse "D. Onça" acionaria a "Maria da Penha", sem dó nem piedade. Conversa daqui, uma golfada ali e um arroto acolá, ele convenceu o homem do portão a deixá-lo entrar.

A cena que ele viu ao chegar em frente a sua casa lhe partiu o coração pro resto da vida. Do valioso violão só sobraram quatro trastes do braço e três tarrachas empenadas. (Ele diz que preferia ter perdido o carro, a casa, o emprego, os dentes, as garrafas de Havana e até tomar um coice de um jegue nos bagos mas destruir seu instrumento de estimação foi demais). A quiproquó foi grande, demorado e sem melodia.

Meses depois do bafafá contornado ele levou os cacos que sobraram do violão para o mais caprichoso luthier da cidade, que de cara, disse: "Dr. aqui só milagre mas deixa aí que eu vou ver o que posso fazer. Talvez dê para aproveitar a arruela de uma das tarrachas".
Desde então os pedaços da sua joia jaz na "UTI" do profissional sem data pra sair do coma. Sugeri ao amigo resgatá-lo deste estado sem nenhuma esperança, envernizar e colocar o maior caquinho num quadro com os dizeres: "Ai se este meu violão falasse". Se não der, pega uma lasquinha do caquinho e faz um patuá pra pendurar no pescoço.

"Tiradentes" continua um exímio violonista e um grande contador de "causos" da sua vasta experiência pelas "repúblicas" e bares da terra de Carlos Drumond de Andrade. Este é um dos que sempre que nos reunimos num papo mediado por uma original é motivo de boas gargalhadas.

19/01/17